sábado, 19 de março de 2011

A ÉTICA DE JESUS E A ADORAÇÃO CRISTÃ

A adoração cristã não é mera contemplação platônica da divindade, nem apenas uma experiência emocional. É uma atitude que envolve a totalidade do ser: O espírito, a alma e o corpo (1 Ts 5.23), assim como a razão, a emoção e a vontade em perfeita sintonia. Não há adoração cristã sem a participação do entendimento (Rm 12.1,2), das emoções (Cl 3.23) e da vontade do adorador (Fp 2.13).
Deus é o objetivo exclusivo da adoração cristã e Jesus Cristo é o seu exclusivo mediador. Qualquer tentativa de adoração que não seja dirigida a Deus ou que não seja pela mediação de Cristo, será uma atitude inútil e sem qualquer benefício espiritual para o adorador. Sendo uma ação individual, entre o adorador e Deus, entre "Tu e Eu", como expressa Martin Buber,1 a adoração cristã envolve também um compromisso social, portanto, ético. Primeiro, porque o ato da comunhão entre o homem e Deus implica necessariamente a relação entre o adorador e seu próximo (Mt 5.23). Isaias teve uma visão pessoal da santidade e da glória de Deus e essa experiência produziu imediato efeito no relacionamento do profeta com seu povo (Is 6.1-6). A purificação dos lábios do adorador, sem a qual não haverá adoração, relaciona-se imediatamente com a sua natureza social: "Sou um homem de lábios impuros e habito no meio de um povo de impuros lábios". A borracha do perdão divino somente apaga nossas ofensas a Deus para que possamos adorá-lo, a partir do momento em que são apagadas as ofensas do nosso próximo contra nós pela borracha do nosso sincero perdão (Mt 6.12). Segundo, porque como resultado da verdadeira adoração, a nossa relação com o nosso próximo será dominada pela santidade e pelo amor. Terceiro: Porque o mesmo Deus único a quem adoramos quer ser adorado pelo nosso semelhante.

O significado ético da adoração está bem delineado em Colossenses 3.9-17.

1. A adoração tem que ser um ato de sinceridade. "Não mintais" (v. 9). A prática da mentira impede nossa adoração ao Deus de toda a verdade. Quem mente para o próximo, fatalmente vai tentar mentir para Deus. Muitas vezes nós nos tornamos fingidores em vez de adoradores. Fingimos que adoramos. Saímos do templo tão vazios como entramos. Ainda que o próximo possa ser enganado, porém, Deus jamais o será.

2. A adoração cristã não admite qualquer tipo de discriminação (v.11). A imagem de Deus está impressa em todos os seres humanos. Portanto, qualquer restrição ou exclusão, intencional ou não, impede a comunhão com o Criador. Contra judeus ou gentios, pobres ou ricos, sábios ou indoutos, negros ou brancos, crianças ou velhos, homens ou mulheres, qualquer tipo de discriminação torna ineficaz a adoração.

3. A adoração cristã exige que o adorador, no trato com o seu próximo, assimile a compaixão do Deus a quem adora. A compaixão exclui a arrogância, como Jesus demonstrou graficamente na parábola do fariseu e o publicano. O arrogante jamais admite sua arrogância, mesmo em seus atos de adoração. Se, porém, os adoradores se revestirem da compaixão de Deus, a arrogância não poderá medrar em seus corações.

4. A adoração cristã deve reproduzir, no caráter do adorador, a benignidade do caráter de Deus. Benignidade é a virtude que nos torna incapazes de engendrar o mal mesmo contra os inimigos da justiça e da verdade (1 Co 13.6).

5. A adoração cristã produz humildade, que não significa passividade, sentimento de inferioridade, mas o entendimento dos próprios limites.2 Humildade é a virtude do homem que sabe não ser Deus,3 e que por isso precisa de Deus. "Humildade" vem do latim humus, que significa "terra". Não aconteça nos esquecermos de que somos pó e ao pó reverteremos (Gn 3.19). Deus sabe que somos pó (Sl 103.14) e mesmo assim recebe nossa adoração por meio de Cristo.

6. A verdadeira adoração é dominada pelo amor (v. 14). Como diz Paulo, o amor não busca seu próprio interesse. Busca o bem do outro. O adorador cristão não vai ao templo para ser abençoado, mas para ser bênção. Ele não pensa no benefício que a sua adoração pode significar para si mesmo, mas está interessado no benefício que os demais adoradores receberão. O método de Deus para abençoar os seus adoradores é fazer de cada um deles, bênção para os outros. Minha presença, meu cantar, minhas orações, minhas ofertas, meus gestos, minha adoração só serão benefício para mim na razão em que forem abençoadores para os outros. Minha fé não deve funcionar a meu favor mais do que a favor dos demais adoradores. Se a ética visa o bem comum, o bem supremo, a adoração cristã pode ser entendida como o ponto culminante da ética do evangelho. Na adoração, nós nos aproximamos de Deus pela fé, crendo que Deus existe e que galardoa aos que o buscam (Hb 11.6). O verdadeiro adorador não pleiteia somente seu próprio galardão, mas se regozija com o galardão dos demais adoradores.

Na prática, se os meus atos de adoração causarem qualquer tipo de dano a outras pessoas ou mesmo se deixarem de lhes causar bem, não estarei obedecendo à ética de Jesus e, portanto, não estarei prestando a Deus qualquer adoração. Estarei apenas fazendo um show de exibicionismo para a platéia, para o meu próprio louvor, não um ato de adoração para o louvor de Deus. Meu amor ao meu próximo precisa ser demonstrado no conteúdo e na forma da minha adoração, sem o que ela será destituída de qualquer significado. Por exemplo, quando os atos de culto de uma Igreja são executados em volume de som acima dos decibéis suportáveis pelo ouvido humano, agredindo a sensibilidade auditiva das pessoas presentes e incomodando os vizinhos do templo, demonstra a falta de amor que torna ineficaz a adoração. Quando uma igreja deixa de receber pessoas de "sórdido vestido", no dizer de Tiago, está falhando em amar. Pode fazer um belo espetáculo, que não será a adoração cristã. Quando os adoradores não se falam, não se cumprimentam, não se amam, está faltando a ética de Jesus. Está faltando amor. Está faltando adoração. Muitas vezes nós nos reunimos, fazemos barulho, encenamos coreografias, cantamos, tocamos, até fazemos que oramos, mas se faltar amor, nossa adoração será como o metal que soa e como o sino que retine. Sem significado para a alma.

Conclusão: A ética na adoração significa a doação de mim mesmo para que os outros adoradores possam ser benditos ao adorarem ao Senhor. Mesmo a minha adoração a sós com Deus, no quarto fechado, como manda Jesus, tem óbvias implicações éticas porque, "Se eu atender à iniqüidade no meu coração, o Senhor não me ouvirá" (Sl 66.18) e também porque a minha comunhão com Deus, ainda que a sós, terá como resultado, o aperfeiçoamento do meu caráter para que eu possa ter um relacionamento de santidade e amor com o meu próximo.

Qualquer reunião de qualquer grupo de pessoas na igreja, inclusive nas classes da EBD é um ato de adoração, um encontro dos adoradores para adorarem o seu Deus. A liderança desses grupos deve ter em mente os conceitos básicos da ética da adoração no planejamento e na condução desses encontros para que eles sejam cultos da verdadeira adoração oferecida ao verdadeiro Deus.
Pr. João Falcão Sobrinho, RJ

1 Citado por Nelson, Eduardo G. in Que Mi Pueblo Adore, CPB, 1986, pág. 8

2 Houaiss, Dicionário da Língua Portuguesa, in loc

3 Conte-Sponville, André, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, M. Fontes, 2002, pág 153

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