sábado, 19 de março de 2011

SEM A GRAÇA NÃO TEM GRAÇA


E ele me disse: "A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. Por isso, de boa vontade antes me gloriarei nas minhas fraquezas, a fim de que repouse sobre mim o poder de Cristo” (2 Co 12.9).
Dos apóstolos, Paulo foi o que mais enfatizou a graça de Deus. Das saudações às recomendações finais das suas cartas é graça sobre graça. Percebemos ser ela a engrenagem que movimenta todo o ensino Paulino: Toda abrangente: “para o louvor da glória da sua graça…”(Ef l.6); tão profunda e absoluta quanto a natureza de Deus: “(…) a suprema riqueza da sua graça (…), as riquezas inescrutáveis de Cristo” (Ef 2.7; 3.8). Paulo não procura explicá-la, apenas proclama a expressão pura e fiel do amor onipotente: “(…) onde o pecado abundou, superabundou a graça” (Rm 5.20). A graça vivificante (Ef 2.5-8), a graça crescente (2 Pe 3.18).
Todavia, juntamente com a graça superabundante existe um espinho misterioso que perturba, fere, entristece e humilha a carne e a alma. Sem sombra de dúvida essa relação antagônica conduz-nos a uma síntese: a suficiência da graça.
Certamente partilhamos dessas duas realidades que marcaram a vida do grande apóstolo e precisamos perceber em que consiste a sublime resposta: “a minha graça te basta”.
1. A personalidade da graça
“A minha graça é suficiente para você” (2 Co 12.9) (A Bíblia na Linguagem de Hoje).
Esta frase contém muito mais do que alguém possa perscrutar já que envolve uma qualidade própria do ser divino (a minha graça), bem como as profundezas mais íntimas do ser humano (é o suficiente para você).
1.1. O Deus de toda graça (1 Pe 5.10)
Graça é infinitamente mais do que presente ou fevor imerecido. E a auto-doação de Deus na pessoa de Jesus Cristo. “Luz e calor provêm do sol durante o dia inteiro, desde a alvorada até o ocaso; assim a graça provém de Deus, e flui continuamente dele.” (Jonathan Edwards). A graça é então uma expressão do amor soberano de Deus: “Cheguemo-nos, pois, confiadamente ao trono da graça, para que recebamos misericórdia e achemos graça, a fim de sermos socorridos no momento oportuno” (Hb 4.16).
1.2. De mim para você
O princípio básico da graça é que o Senhor está em nós e nós estamos nele (Gl 4.6,7). A graça opera em termos de um relacionamento exclusivo, amoroso e vivo: eu-tu. Jamais é padronizada ou inflexível. É dinâmica, bem pessoal, enfim, para você mesmo! “O termo graça aqui, refere-se ao auxílio do Espírito Santo. Esta graça deve ser suficiente para as pessoas piedosas (que exercitam a fé).” (João Calvino). É muito provável a interpretação de Calvino em face da ênfase Paulina sobre a união do cristão com o Espírito Santo (Rm 8.14,16,26,27).
2. A graça e as incógnitas da vida
“(…) foi-me dado um espinho na carne (…)” (2 Co 12.7).
A variedade de interpretações aqui tem produzido um espinheiro:
a) Espinho enfermidade: dificuldade oftálmica (Gl 4.14,15; 6.11), malária (Gl 4.13), enxaqueca ou até mesmo epilepsia.
b) Espinho espiritual: natureza corrompida pelo pecado (Rm 7.24), tentações, opressão demoníaca.
c) Espinho psico-emocional: lembranças traumáticas (At 7.58,60; 8.3; 26.14).
d) Espinho social: perseguições em geral, perseguições dos judeus (Rm 9.3).
Das quatro, a primeira interpretação acima é, com razão, a mais reconhecida. A palavra skolops (espinho) era usada para qualquer objeto pontiagudo (estaca, ponta de anzol, lasca de madeira ou metal, espinho), e o fato de Paulo falar de um espinho na carne sugere a idéia de algo que frustra, angustia e aflige severamente.

Mas, então, existe alguma relação entre espinho e graça?
2.1. A graça da identificação
Como Jesus no Jardim de Getsêmane, Paulo pediu três vezes a Deus que o livrasse do sofrimento. Na mente e no coração desse apóstolo os espinhos de Cristo (Mt 27.29; 26.37-46) constituem um fator de comunhão do discípulo com o seu Mestre (Gl 6.17; Rm 8.17; Fp 3.10).
2.2. A graça da convivência
Alguém já identificou o silêncio quanto à natureza exata do espinho de Paulo a uma função didática: ‘Todos nós temos o nosso próprio espinho em forma de enfermidade, relacionamentos pessoais dificultosos, lembranças traumáticas, sentimentos dolorosos ou outras perturbações. E além disso, às vezes, a essência do espinho ou a ”coisa em si” permanece obscura e nos limitamos a uma mera descrição. Precisamos entender que nosso Senhor não tem a obrigação de agir conforme as nossas petições, nem de nos explicar tudo. Ele tem o seu conselho soberano (At 2.23; 1 Co 2.6-9).
Aqui se aplica perfeitamente o hino do cantor e compositor Paulo César, do Grupo Logos: “Senhor Jesus, ainda não entendo o espinho. Mas se o mesmo faz parte da tua cruz, eu o aceito. Não sou maior que o meu Senhor, apenas servo sou; apenas servo e nada mais. Senhor, se estou por ti sendo provado, quero aprovado ser agora. Sei o que tens a dizer, eu creio nisso também: basta-me a graça …”
2.3. A graça da superação
Nossa visão do espinho deve ser da perspectiva de Deus, ou seja, não com um fim em si mesmo, senão como um meio de manifestação da graça. De todos os ângulos imagináveis o espinho é desproporcional à graça (Sl 63.3). Paulo não se deixou vencer quando sua tão desejada visita aos tessalonicenses foi frustrada (1 Ts 2.17,18). Levou ele o evangelho a Beréia, Atenas e Corinto (At l7;18.1-11). O incômodo do espinho na vida de Paulo serviu para mantê-lo bem equilibrado espiritualmente.
3. Graça: a melhor resposta
“(…) porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza (…)” (2 Co 12.9). Uma resposta negativa da parte de Deus, longe de ser uma recusa caprichosa, é uma maneira definida, eficaz e amorosa de dizer “sim”. Ele sempre nos ouve (1 Jo 5.14,15), entretanto, atende as nossas reais necessidades antes das nossas meras expectativas.
3.1. A graça da busca (2Co 12.8)
Necessidades extremas têm conduzido muitos aos pés de Cristo. A história de personagens bíblicos, a história pós-bíblica e a nossa própria comprovam isso. Deus quer que o seu povo o busque (2 Cr 7.14); quer ser achado pelos corações sinceros (Sl 27.8; Jr 29.13). A graça já está presente quando confessamos total dependência do Criador para nos socorrer (Sl 121). As constantes súplicas de Paulo ganharam uma resposta mais profunda para a sua vida pessoal e ministerial (At 20.24).
3.2. Graça e humildade (2Co 12.5-7,9,10)
O que não faltava para Paulo eram motivos para se gloriar (2 Co 10.13;11.16-12.4). Extraordinário desempenho na obra missionária, competência intelectual incomum e profundas experiências com Deus proporcionavam uma combinação perfeita de prática, teoria e espiritualidade. Ele tinha uma base significativa para se gloriar (12.5,6), mas o Senhor o poupou do orgulho, que é sempre um veneno letal, permitindo-lhe a assolação do espinho a fim de que viesse a se ostentar num terreno mais firme e seguro – suas fraquezas pessoais, o que possibilitou para ele, e possibilita para nós, um crescimento maduro e contínuo.
Tendo em vista este crescimento contínuo, ele insiste que não considerem a sua “folha de serviço” como um troféu, mas que pensem a seu respeito a partir do hoje, do agora, da experiência presente: “que ninguém pense de mim além daquilo que em mim vê ou de mim ouve” (12.6). “Um coração orgulhoso e um monte elevado são sempre estéreis” (William Gumall). Os vales são regados com chuvas para se tomarem férteis, enquanto que o cume das imponentes montanhas permanece seco.
3.3. Graça simplesmente graça
Podemos compreender toda a amplitude da graça assim como todo o significado do amor de Deus. Graça de Deus em ação, seu poder e amor direcionados a pecadores absolutamente indignos. Como disse Charles Hodge: “Nada que não seja de graça é seguro para pecadores”. O Senhor está fazendo e fará grandes maravilhas em nossas vidas, em sua igreja e em todo o mundo. “Não que em nós mesmos sejamos capazes de pensar (ou fazer) alguma coisa, como se partisse de nós; pelo contrário, a nossa suficiência vem de Deus” (2 Co 3.5).
Muitas dificuldades existem. O espinho pode ainda estar se fazendo sentir dentro ou fora de nós, porém, entendemos que a grandeza da graça não consiste na mera remoção de qualquer espinho, mas na disposição contínua da capacitação divina para cuidarmos dele de tal modo que manifeste a glória de Cristo em nosso ser.
Foi assim que Paulo viveu: “Mas pela graça de Deus sou o que sou; e a sua graça para comigo não foi vã, antes trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus que está comigo” (1 Co 15.10). Parafraseando Paulo: “Pela graça de Deus somos o que somos; pela mesma graça não somos o que não somos” (Dietrich Bonhoífer).
Ebenezer Morenos Gomes
Pastor e professor, SP
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário